quinta-feira, 28 de maio de 2009

Para quem quer ser JUIZ!!

Esse texto do juiz Gerivaldo Neiva,faz com que pensemos como é ardua a vida de magistrado,mas bem compensada(diga-se de passagem)

"Todo mundo diz que cabeça de juiz é um problema, pois ninguém sabe ao certo qual será o resultado de um julgamento. Alguns dizem até que é como “bumbum de bebê”. Pois é, muitas vezes um juiz concede uma liminar, depois um tribunal cassa aquela liminar, depois outro tribunal superior mantém a liminar... Uma loucura. Quem está de fora deve ficar pensando que a lógica é assim: um juiz de primeiro grau sabe um pouco, um desembargador de tribunal estadual sabe um pouco mais e, por fim, os ministros dos tribunais superiores sabem muito mais. Ou então fica parecendo que cada um usa uma lei diferente... Ou então acontece o “privilégio do poder”, ou seja, quem tem mais pode mais.

Na verdade, não sendo caso do "privilégio do poder", o que ocorre mesmo é a interpretação e o método que cada juiz utiliza para resolver os casos que lhe são apresentados. Tem juiz, por exemplo, que já carrega um “pendrive” com sentenças e despachos padronizados para qualquer situação. Tem juiz que sabe o número de todas as leis do país e para cada caso ele sabe qual é o artigo a ser aplicado, independente dos detalhes e particularidades de cada caso. Tem juiz que carrega um cd repleto de decisões dos tribunais e para julgar basta se reportar a determinado “entendimento jurisprudencial.”
Por fim, tem juízes que procuram, antes de tudo, inclusive da lei, entender o problema e só depois buscar uma solução justa e legítima – além de legal, é claro – para o problema. É como se o fato social antecedesse a lei, ou seja, primeiro se examina o fato para localizar o conflito e só depois se busca a solução.
Primeiro a vida real, depois a lei.
Ou então aquela velha história de quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha, a lei ou o direito?

Evidente que um fato social pode ser visto de várias maneiras, dependendo do ângulo da visão do observador. Em outras palavras, depende da formação política e ideológica e da condição social do observador.
Em ciências sociais, o observador também faz parte do objeto da observação. Ora, como o juiz também é gente, assim também funciona com ele, ou seja, a interpretação que o juiz vai aplicar a cada caso depende da sua forma de entender o fato social, o que pensa sobre o sentido da lei e, finalmente, para que serve o Direito. Ninguém está livre disso. Por exemplo, o juiz que diz ser “escravo da lei”, na verdade, está assumindo uma posição cômoda e preguiçosa, pois não quer entender sequer o conflito que lhe é apresentado para solução e pensa que é o bastante aplicar a lei, doa a quem doer. (será que dói para todos mesmo?).
Da mesma forma, é preguiçoso e comodista o juiz que decide somente com base em decisões de outros tribunais, pois se submete ao entendimento alheio sem tentar construir o seu próprio entendimento.

Um outro problema é que os conflitos não são mais os mesmos e muitas vezes o conhecimento da ciência jurídica, sozinho, não resolve mais e precisamos da ajuda de especialistas de outras áreas do conhecimento, ou seja, precisa de interdisciplina. Bom, como o Juiz sempre pensa que sabe de tudo, as soluções dos conflitos nem sempre estão sendo justas, mas apenas de “acordo com a lei”.

Sim, uma decisão judicial pode ser legal – fundamentada na lei -, mas não ser justa. A aplicação de uma lei injusta, por exemplo, vai resultar em decisões injustas, ou não? E uma lei pode ser injusta? Depende do compromisso de quem elaborou e aprovou. Uma lei é um ato humano e, por assim ser, pode ser boa, má, justa, injusta... humana, sobretudo.

Pois bem, tem muita gente boa que não sabe, mas tem uma lei no Brasil que possibilita ao Juiz decidir um caso com base apenas nos costumes, na analogia e nos princípios gerais do Direito, sendo a lei omissa sobre aquele caso. É a Lei de Introdução ao Código Civil, que na verdade é o Decreto-Lei nº 4.657/42. Esta lei também determina que o Juiz, na aplicação da lei, deve atender “aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Bacana, né?

Por falar em lei boa, na nova Lei de Organização Judiciária da Bahia (Lei nº 10.845/07) tem um artigo que diz o seguinte: “Art. 6º - Os Juízes togados poderão, no exercício do controle difuso de constitucionalidade, negar aplicação às leis que entenderem manifestamente inconstitucionais.” Isto significa que se o Juiz entender que uma lei, mesmo federal, é inconstitucional (em desacordo com a Constituição) ele pode deixar de aplicá-la no caso concreto. Mais bacana ainda, né?


Então, queria convidar a todos para ser juiz comigo na apreciação de alguns casos. É fácil. Não tenham medo. Vamos precisar apenas das duas leis que já me referi: a Lei de Introdução ao Código Civil e o artigo da Lei de Organização Judiciária da Bahia e de alguns princípios escritos na Constituição. Vamos lembrar que a primeira diz que o Juiz, na aplicação da lei, deve atender “aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” e a segunda diz que o Juiz pode deixar de aplicar a lei ao caso concreto se entender que aquela lei esteja em desacordo com a Constituição.

Por fim, vamos precisar também de alguns princípios constitucionais para fundamentar nossas decisões. Por exemplo: direito à vida, dignidade da pessoa humana, a cidadania, a igualdade de todos perante a lei, a livre manifestação do pensamento, a liberdade de expressão, a inviolabilidade de consciência e de crença, a função social da propriedade, a solidariedade como objetivo da República, a proteção à criança e adolescente etc.

Sendo assim, precisamos ter em mente que leis e princípios são espécies de norma, mas é o princípio que institui e norteia a aplicação da lei. Portanto, a lei deve ser baseada no princípio, embora os dois sejam considerados como norma. Quem domina a teoria dos princípios, por conseguinte, está preparado para interpretar e aplicar as leis.

Procurei na imprensa alguns casos polêmicos ocorridos durante a semana para nosso exercício:

- STF decidirá se o Viagra poderá ser distribuído gratuitamente;
- Comercialização de biografia de Roberto Carlos continua proibida;
- Por fim, como não poderia deixar de ser: Juiz autoriza aborto em menina de nove anos, grávida de gêmeos, que foi estuprada pelo padrasto.


Nossa primeira tarefa, portanto, vai ser entender os problemas antes de pensar em qualquer lei. Depois, vamos ter em mente os fins sociais, as exigências do bem comum e os princípios constitucionais. Por fim, vamos pensar na solução justa para os conflitos.

Para o primeiro caso, portanto, precisamos perguntar, por exemplo, por que alguém precisa de Viagra? O que significa a impotência sexual para um homem? Uma vida sexual ativa traz felicidade e pode manter um casal junto e feliz? O Viagra possibilita esta realização? Ora, se o conhecimento do Juiz não permite responder a todas as perguntas, é preciso recorrer aos profissionais de outras áreas – medicina, biologia, psicologia, etc. -, ou seja, promover a interdisciplina.

Neste caso, portanto, depois da ajuda de outros profissionais, podemos, então, perguntar se é dever do Estado resolver tal tipo de problema e se existe alguma relação com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da solidariedade. De outro lado, sendo a lei omissa, posso aplicar o costume ou analogia para resolver o problema, ou seja, é possível aplicar ao caso a mesma lei que obriga a distribuição gratuita de medicamento aos portadores de HIV? Com as respostas, certamente virá também a solução do conflito.


Com relação ao caso de Roberto Carlos, precisamos perguntar, por exemplo, por que alguém publicaria informações sobre a vida de um artista? Qual o seu interesse: ganhar dinheiro ou levar informação para o público em geral e admiradores daquele artista? Roberto Carlos, sendo uma pessoa pública, pode impedir que se divulgue informações sobre sua vida? Roberto Carlos, enquanto artista famoso, seria o que é sem a divulgação de suas músicas e o consumo de seus discos por seus fãs?

Então, qual o princípio a ser utilizado: a liberdade de expressão e a livre manifestação do pensamento ou a intimidade da pessoa pública? Este, realmente, não é um caso fácil, pois envolve dois princípios fundamentais: intimidade e liberdade de expressão. Decida você...


Com relação ao problema da menina que foi estuprada e quer fazer o aborto, precisamos pensar, inicialmente, por que o padrasto cometeu o ato? Qual a situação econômica dessa família? A mãe sabia do caso? Houve ameaça por parte do padrasto? Qual o risco dessa gravidez para a menina? Há possibilidade de aborto natural? A continuidade da gravidez deixará seqüelas na menina?

Qual o melhor interesse social e psicológico para uma menina de nove anos grávida? Bom, se não se tem as respostas, procura-se um especialista da área – médico, pediatra, psicólogo etc. Feito isso, vamos aos princípios: o primeiro a ser utilizado é o princípio à vida. Assim, qual vida devo preservar: os fetos ou a criança grávida? Com as respostas dos especialistas, continuamos a perguntar: então, qual é a melhor solução em face do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida: autorizar o aborto ou permitir essa gravidez?

Também não é caso fácil, mas você já está preparado para decidir...

Viram como é fácil ser Juiz? Claro que eu sei como iria decidir esses casos, mas sei também que só decidiria com justiça e equilíbrio se tivesse auxílio de outros profissionais que me permitissem uma melhor compreensão do problema. Como vimos, não dá mais para decidir sozinho, trancado em um gabinete, distante do mundo real e das pessoas. Nas faculdades de Direito ainda se ensina que “o que não está no processo não está no mundo” para dizer que o Juiz deve se limitar ao que está nos autos. Ora, como vimos nos exercícios acima, o que acontece hoje é exatamente o contrário: o mundo está no processo!

Bom, nos casos que julgamos juntos, quase sempre estava em jogo um interesse individual em conflito com regras e princípios. Pois bem, e quando o conflito for social? Agora a cobra vai fumar! Neste caso, precisamos entender o conflito como parte de uma realidade social de um país desigual e terrível concentração de renda.

Para tanto, precisamos buscar explicações não mais para necessidades individuais, mas para um grupo de pessoas, ou seja, para uma classe social. Depois disso, agora que já entendemos o direito como um saber essencialmente prático, no caso de um problema social, a decisão deve sempre obedecer aos princípios constitucionais e a concretização das promessas da modernidade, ou seja, a realização das garantias e direitos fundamentais previstos na Constituição, cujos princípios são dotados de eficácia e efetividade.

Para concluir, nossa interpretação precisa, também, ser criadora do direito e, além disso, que possibilite a utilização do direito como instrumento de mudança social.

Então, quando você agora se deparar com um conflito, seja individual ou coletivo, ou quando alguém lhe pedir uma opinião, primeiro procure entender o problema, suas causas e conseqüências, depois pense nos princípios que devem ser aplicados ao caso.

Deixe de lado, definitivamente, o “achismo”. Se não dominar a matéria, peça ajuda a quem entende mais do que você e então decida com justiça. Nesta hora, muitos estarão se perguntando: e a lei que devo aplicar em cada caso para que minha decisão também seja legal? Ora, para quem já domina a teoria dos princípios, lei é café pequeno!

Não é possível interpretar uma lei sem levar em conta o princípio que a instituiu e, portanto, só deve ser aplicada se obedecer aos princípios constitucionais. Sim, se a lei for inconstitucional, ou seja, se estiver em desacordo com a Constituição, não somos obrigados a aplicá-la para o caso concreto. Isto se chama controle difuso de constitucionalidade, que estudaremos outro dia.

No mais, vimos que é fundamental compreender antes de interpretar. Neste caso, não é a interpretação que possibilita a compreensão, mas o contrário: só interpretamos o que compreendemos.
Fazendo assim, estamos evitando, exatamente, um pré-juízo sobre os fatos e, principalmente, o pré-conceito. Não esquecer de levar em conta, finalmente, o nosso cenário: um país de forte desigualdade e exclusão socialas bem compensada."



Pois bem...é preciso termos sempre em mente que para se decidir não bastam apenas leis,normas...temos que analisar um contexto geral!
Espero que tirem liçoes do ensinamento do douto juiz!!

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Crônica de um Crime anunciado

Olha que sentença interessante...

A CRÔNICA DE UM CRIME ANUNCIADO



Processo Número1863657-4/2008
Autor: Ministério Público Estadual
Réu: B.S.S



B.S.S é surdo e mudo, tem 21 anos e é conhecido em Coité como “Mudinho.”
Quando criança, entrava nas casas alheias para merendar, jogar vídeo-game, para trocar de roupa, para trocar de tênis e, depois de algum tempo, também para levar algum dinheiro ou objeto. Conseguia abrir facilmente qualquer porta, janela, grade, fechadura ou cadeado. Domou os cães mais ferozes, tornando-se amigo deles. Abria também a porta de carros e dormia candidamente em seus bancos. Era motivo de admiração, espanto e medo!
O Ministério Público ofereceu dezenas de Representações contra o então adolescente B.S.S. pela prática de “atos infracionais” dos mais diversos. O Promotor de Justiça, Dr. José Vicente, quase o adotou e até o levou para brincar com seus filhos, dando-lhe carinho e afeto, mas não teve condições de cuidar do “Mudinho.”
O Judiciário o encaminhou para todos os órgãos e instituições possíveis, ameaçou prender Diretoras de Escolas que não o aceitava, mas também não teve condições de cuidar do “Mudinho.”
A comunidade não fez nada por ele.
O Município não fez nada por ele.
O Estado Brasileiro não fez nada por ele.

Hoje, B.S.S tem 21 anos, é maior de idade, e pratica crimes contra o patrimônio dos membros de uma comunidade que não cuidou dele.
Foi condenado, na vizinha Comarca de Valente, como “incurso nas sanções do art. 155, caput, por duas vezes, art. 155, § 4º, inciso IV, por duas vezes e no art. 155, § 4º, inciso IV c/c art. 14, inciso II”, a pena de dois anos e quatro meses de reclusão.
Por falta de estabelecimento adequado, cumpria pena em regime aberto nesta cidade de Coité.
Aqui, sem escolaridade, sem profissão, sem apoio da comunidade, sem família presente, sozinho, às três e meia da manhã, entrou em uma marmoraria e foi preso em flagrante. Por que uma marmoraria?
Foi, então, denunciado pelo Ministério Público pela prática do crime previsto no artigo 155, § 4º, incisos II e IV, c/c o artigo 14, II, do Código Penal, ou seja, crime de furto qualificado, cuja pena é de dois a oito anos de reclusão.
Foi um crime tentado. Não levou nada.
Por intermédio de sua mãe, foi interrogado e disse que “toma remédio controlado e bebeu cachaça oferecida por amigos; que ficou completamente desnorteado e então pulou o muro e entrou no estabelecimento da vítima quando foi surpreendido e preso pela polícia.”
Em alegações finais, a ilustre Promotora de Justiça requereu sua condenação “pela pratica do crime de furto qualificado pela escalada.”
B.S.S. tem péssimos antecedentes e não é mais primário. Sua ficha, contando os casos da adolescência, tem mais de metro.
O que deve fazer um magistrado neste caso? Aplicar a Lei simplesmente? Condenar B.S.S. à pena máxima em regime fechado?
O futuro de B.S.S. estava escrito. Se não fosse morto por um “proprietário” ou pela polícia, seria bandido. Todos sabiam e comentavam isso na cidade.
Hoje, o Ministério Público quer sua prisão e a cidade espera por isso. Ninguém quer o “Mudinho” solto por aí. Deve ser preso. Precisa ser retirado do seio da sociedade. Levado para a lixeira humana que é a penitenciária. Lá é seu lugar. Infelizmente, a Lei é dura, mas é a Lei!
O Juiz, de sua vez, deve ser a “boca da Lei.”
Será? O Juiz não faz parte de sua comunidade? Não pensa? Não é um ser humano?
De outro lado, será que o Direito é somente a Lei? E a Justiça, o que será?
Poderíamos, como já fizeram tantos outros, escrever mais de um livro sobre esses temas.
Nesse momento, no entanto, temos que resolver o caso concreto de B.S.S. O que fazer com ele?
Nenhuma sã consciência pode afirmar que a solução para B.S.S seja a penitenciária. Sendo como ela é, a penitenciária vai oferecer a B.S.S. tudo o que lhe foi negado na vida: escola, acompanhamento especial, afeto e compreensão? Não. Com certeza, não!
É o Juiz entre a cruz e a espada. De um lado, a consciência, a fé cristã, a compreensão do mundo, a utopia da Justiça... Do outro lado, a Lei.

Neste caso, prefiro a Justiça à Lei.

Assim, B.S.S., apesar da Lei, não vou lhe mandar para a Penitenciária.
Também não vou lhe absolver.
Vou lhe mandar prestar um serviço à comunidade.

Vou mandar que você, pessoalmente, em companhia de Oficial de Justiça desse Juízo e de sua mãe, entregue uma cópia dessa decisão, colhendo o “recebido”, a todos os órgãos públicos dessa cidade – Prefeitura, Câmara e Secretarias Municipais; a todas as associações civis dessa cidade – ONGs, clubes, sindicatos, CDL e maçonaria; a todas as Igrejas dessa cidade, de todas as confissões; ao Delegado de Polícia, ao Comandante da Polícia Militar e ao Presidente do Conselho de Segurança; a todos os órgãos de imprensa dessa cidade e a quem mais você quiser.

Aproveite e peça a eles um emprego, uma vaga na escola para adultos e um acompanhamento especial. Depois, apresente ao Juiz a comprovação do cumprimento de sua pena e não roubes mais!

Expeça-se o Alvará de Soltura.


Conceição do Coité- Ba, 07 de agosto de 2008,


Bel. Gerivaldo Alves Neiva

Juiz de Direito

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Modelo de sentença

Sentença condenatória contra Bradesco indenização por danos materiais e morais por lançamento indevido

Comarca de Brusque - Santa Catarina



Vistos, etc.



SIDNEY DE SOUZA E SILVA, brasileiro, separado judicialmente, torneiro mecânico, inscrito no CPF sob o nº 734.248.389-34 e RG nº 1.927.345-2, residente e domiciliado na Rodovia Ivo Silveira, km 7, bairro Volta Grande, Brusque-SC, por procurador habilitado, promoveu a presente AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO C/C DANOS MORAIS, em face do BANCO BRADESCO S.A., pessoa jurídica de direito privado, instituição bancária, inscrita no CNPJ sob o nº 60.746.948/0337-96, estabelecida na avenida Cônsul Carlos Renaux, Centro, Brusque/SC, alegando, em síntese:
- que o autor é cliente do réu, sendo titular da conta-corrente nº 0061375-4;
- que, na data de 29.11.2000, apresentou ao réu um cheque no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), depositando o valor na conta já mencionada;
- a partir do momento em que foi pago o cheque, aquele valor passou a integrar o seu patrimônio, somente podendo ser movimentado mediante sua autorização;
- que no dia 30.11.2000 o réu, sem qualquer autorização, retirou de sua conta o valor que havia sido depositado, deixando-a devedora da importância de R$ 706,57 (setecentos e seis reais e cinqüenta e sete centavos), que representava o saldo anterior ao depósito (R$ 6,57) acrescidos dos dois saques efetuados no dia 29.11.2000 (R$ 600,00 e R$ 100,00).
- em razão do ocorrido o autor sofreu danos materiais e morais, sendo os primeiros representados pela retirada daquele valor que já estava incorporado a seu patrimônio e os demais pela devolução de cheques, com a conseqüente inclusão de seu nome no SERASA, CCF e SPC.

Discorreu detalhadamente acerca dos eventos considerados lesivos, tanto materiais como morais, atribuindo a responsabilidade daqueles ao comportamento indevido da ré.

Requereu, ao final, a procedência da ação com a condenação do réu no pagamento de verba indenizatória pelos danos materiais e morais sofridos, com a exclusão do nome do autor dos cadastros do SERASA, SPC e CCF, fundamentando seu pedido nos arts. 159 e 1.521, inc. III, do Código Civil.

Atribuiu à causa o valor de R$ 61.000,00 (sessenta e um mil reais), anexando a documentação de fls. 13/18.
Foi determinada e efetivada a regular citação da parte ré (fls. 20 e 27v).
Às fls. 22/43, tempestivamente, apresentou o réu sua contestação, através de procurador habilitado, acompanhada de documentos (fls.44/47), alegando, em apertada síntese, ser o autor litigante de má-fé e que o cheque apresentado pelo autor para depósito encontrava-se prescrito, razão pela qual entende que o próprio autor foi o causador das intempéries narradas no pedido, eis que mesmo ciente da inexistência de saldo em sua conta-corrente continuou a emitir cheques sem a necessária provisão de fundos. Discorreu, de forma detalhada, acerca do dano moral, colacionando entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.

Finalizou fazendo os requerimentos de estilo, pretendendo a total improcedência do pedido.

Sobre a contestação manifestou-se o autor às fls. 51/56, mantendo-se firme em seu propósito inicial.

Foi designada e realizada audiência conciliatória, restando inexitosa a conciliação (fl. 83).

Restou designada audiência de instrução e julgamento, oportunidade na qual foi colhido o depoimento pessoal do autor, inquirida a testemunha arrolada pelo réu e aberto o prazo sucessivo para a apresentação de alegações finais.
O autor apresentou suas alegações às fls. 104/108, enquanto que o réu quedou-se silente, conforme demonstra a certidão de fl. 108v. Vieram conclusos.

É O RELATÓRIO.

Examinados, DECIDO.
Versam os autos sobre Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais, fundamentada na prática de conduta abusiva do réu em relação ao autor, pelas razões fáticas e jurídicas já consignadas no relatório.

As partes são legítimas e estão devidamente representadas nos autos, bem como demonstrados estão o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido.

Portanto, tenho que o autor possui o direito de deduzir em juízo o pedido inserto nestes autos.

A lide comporta julgamento nesta oportunidade, porquanto desnecessária a produção de outras provas, estando as partes satisfeitas com aquelas já produzidas.

São fatos incontroversos nos autos: a) existência da conta corrente de titularidade do autor na instituição bancária ré; b) o depósito do cheque no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) naquela conta; c) a inclusão do nome do autor no cadastro dos órgãos de proteção crédito. Assim, em relação a tais, aplica-se o disposto no art. 334, do Código de Processo Civil.

A meu sentir, o contrato existente entre as partes constitui-se em relação de consumo, sendo, então, aplicáveis as disposições legais insertas no Código de Defesa do Consumidor. Acerca do assunto, dispõem os arts. 1º, 2º e 3º , do CDC:

“O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inc. XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.

“Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único - Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.

“Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. §2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de caráter trabalhista”.

Assim, é tranqüilo afirmar que a instituição ré constitui-se em fornecedora, na modalidade de prestadora de serviços, enquanto que o autor é o usuário/consumidor daqueles.

Abonando tal entendimento, o egrégio Superior Tribunal de Justiça assim já se manifestou:

"CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. BANCOS. CLÁUSULA PENAL. LIMITAÇÃO EM 10%. 1. OS BANCOS, COMO PRESTADORES DE SERVIÇOS ESPECIALMENTE CONTEMPLADOS NO ARTIGO 3º, PARÁGRAFO SEGUNDO, ESTÃO SUBMETIDOS ÀS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. A CIRCUNSTÂNCIA DE O USUÁRIO DISPOR DO BEM RECEBIDO ATRAVÉS DA OPERAÇÃO BANCÁRIA, TRANSFERINDO-O A TERCEIROS, EM PAGAMENTO DE OUTROS BENS OU SERVIÇOS, NÃO O DESCARACTERIZA COMO CONSUMIDOR FINAL DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELO BANCO. (...)" (REsp. n. 57.974/RS, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 29.05.95, pág. 15.524);

"MÚTUO BANCÁRIO - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO - TAXA DE JUROS - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. (...)

II - Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contempladas no artigo 3º, parágrafo segundo, estão submetidas às disposições do Código de Defesa do Consumidor.

III - Recurso conhecido pelo dissídio e provido" (REsp. n. 142799/RS, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU de 14.12.98, pág. 230). “(...)

“2. Os estabelecimentos bancários, prestadores de serviços, nos termos do código de defesa do consumidor, são obrigados a atender as requisições do Ministério Público, que não resultem em quebra de sigilo bancário.” (HC n. 96/0076090-0, rel. Min. Edson Vidigal, DJU de 05/05/1997). “
Por derradeiro, ressalte-se que nenhuma razão assiste ao banco recorrido ao afirmar que as operações bancárias realizadas com o público em geral não se subordina às normas do Código de Defesa do Consumidor. Segundo a jurisprudência, trata-se de atividade que se insere dentre as inúmeras relações de consumo reguladas pelo referido diploma legal” (Resp. 170.281-SC, rel. Min. Barros Monteiro, DJU de 21.09.9.

De igual forma, o Ministro Rui Rosado de Aguiar Júnior, no voto em que proferiu no julgamento do Recurso Especial n. 57.974, do Rio Grande do Sul, se expressou:

“O recorrente, como instituição bancária, está submetido às disposições do Código de Defesa do Consumidor, não porque ele seja fornecedor de um produto, mas porque presta um serviço consumido pelo cliente, que o consumidor final desses serviços, e seus direitos devem ser igualmente protegidos como qualquer outro, , especialmente porque nas relações bancárias há difusa utilização de contrato de massa e onde, com mais evidência, surge a desigualdade de forças e a vulnerabilidade do usuário”.
Compartilhando tal entendimento, o nosso egrégio Tribunal de Justiça:

“A teor do disposto no art. 3º, § 2º da Lei n. 8.078/90, considera-se a atividade bancária alcançada pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, incluídos a entidade bancária no conceito de fornecedor e o aderente no de consumidor” (Ap, Cív. n. 96.007744-8, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Nelson Schaefer Martins);

“CONTRATO BANCÁRIO - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR — APLICABILIDADE “Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contempladas no artigo 3º, parágrafo segundo, estão submetidas às disposições do Código de Defesa do Consumidor (STJ)” (AI n.98.017996-3, de Mondai, rel. Des. Eder Graf);

“A orientação jurisprudencial tem evoluído no sentido de possibilitar o controle judicial dos contratos de adesão, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, ainda que se trate de pacto de crédito bancário, a ele se assemelhando, por óbvio, o contrato de leasing” (AI n. 98.015432-4, de Itajaí, rel. Des. Pedro Manoel Abreu); “A atividade desenvolvida pelas instituições bancárias encontra plena tipificação na expressão fornecedor descrita pelo caput do artigo 3º, uma vez que prestam serviços de natureza bancária, financeira e de crédito.
A referência aos serviços bancários, financeiros e de crédito absorve a atividade de fornecimento de crédito.
Desta forma, os contratos de abertura de crédito, de financiamento, de leasing, de alienação fiduciária estão incluídos no conceito legal de serviços previsto no Código de Defesa do Consumidor.
Assim, não há como afastar a sua incidência aos contratos firmados pelas instituições financeiras” (AI n. 99.021024-3, de Braço do Norte, rel. Des. Carlos Prudêncio);
“CONTRATOS BANCÁRIOS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. BANCO. FORNECEDOR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE NATUREZA BANCÁRIA, FINANCEIRA E DE CRÉDITO. INTELIGÊNCIA DO ART. 3º CAPUT E § 2º DO CODECON. As atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras incluem-se no conceito legal de serviços, previsto no Código de Defesa do Consumidor, sendo-lhes aplicável a legislação pertinente” (AI n. 99.006192-2, de Rio do Sul, rel. Des. Silveira Lenzi).

Há de se ressaltar, ainda, que em situações como a dos presentes autos, onde a desproporcionalidade existente entre as partes na obtenção das provas é gritante, é possível o reconhecimento do princípio da inversão do ônus da prova, estabelecido no art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor, aplicável em favor do consumidor.
Em relação a tal assunto, extrai-se da obra “Código do Consumidor Comentado”, de Arruda Alvim - Thereza Alvim - Eduardo Arruda Alvim - James Marins - Editora REQUERENTE - 2ª edição, às fls. 68 e seguintes:

“A inversão do ônus da prova, a critério do juiz, é outra norma de natureza processual civil com o fito de, em virtude do ‘princípio da vulnerabilidade’ do consumidor, procurar equilibrar a posição das partes, atendendo aos critérios da existência da verossimilhança do alegado pelo consumidor, ou sendo este hipossuficiente, alteração esta do onus probandi que se dá ope iudicis e não ope legis.

Ocorrendo a hipótese da hipossuficiência do lesado, a análise da plausibilidade da alegação do consumidor deve ser feita com menos rigor pelo magistrado, tendo-se, ademais, sempre em vista que basta que esteja presente qualquer um destes dois requisitos para que seja lícita a inversão. O ônus da prova no Código de Processo Civil, como regra geral, vem encartado no art. 333, que o impõe ‘ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito’ e ‘ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor’.

De acordo com o Código do Consumidor, entretanto, desde que o juiz, utilizando-se das máximas de experiência, entenda como verossímeis as afirmações do consumidor, poderá inverter o ônus da prova. Esta inversão significa que caberá ao réu (fornecedor) produzir o conjunto probatório que afaste as alegações do autor (consumidor), mesmo que este não tenha apresentado provas acerca de suas alegações. (...)

Tanto a inversão do ônus da prova facultativa (a critério do juiz), de que trata este art. 6º, como a inversão do ônus prova obrigatória, consubstanciada no art. 38 deste Código, não são inconstitucionais por resultarem da aplicação do constitucional ‘princípio da isonomia’ (Constituição Federal de 1988, art. 5º, caput e inciso I) que significa tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Esta desigualdade entre consumidor e fornecedor decorre do próprio art. 4º, I, deste Código, ou, seja, ‘do pricípio da vulnerabilidade do consumidor’.”

Analisando a documentação apresentada, observa-se com clareza que o cheque no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) entrou na conta corrente do autor como depósito em dinheiro, segundo bem demonstra o documento de fl. 15.
Tal documento também demonstra que, em razão daquele depósito, foi permitido ao autor efetuar dois saques nos valores de R$ 600,00 (seiscentos reais) e R$ 100,00 (cem reais), já na mesma data do depósito.

Assim, é tranqüilo afirmar que tais valores já se encontravam à disposição do autor, ou seja, não estavam pendentes de qualquer liberação ou compensação. Apesar disso, o réu, sem qualquer autorização, efetuou o estorno daquele depósito, fundamentando, sua conduta, na prescrição do cheque.
Ora, se o cheque estava prescrito ou não é situação irrelevante para a solução deste litígio, pois, independentemente de tal circunstância, não poderia ter adotado o procedimento que tomou, porquanto a partir do momento em que o dinheiro foi disponibilizado ao autor, somente através da conduta deste ou mediante sua autorização poderia haver a movimentação daquele, haja vista que o valor já estava integrado a seu patrimônio.

Esclarecendo bem tal situação, colaciona-se os seguintes entendimentos jurisprudenciais:

“COBRANÇA. CONTRATO BANCÁRIO DE ABERTURA DE CRÉDITO. LANÇAMENTO INDEVIDAMENTE LEVADO A CRÉDITO DO CORRENTISTA. ESTORNO FEITO, MESES APÓS, SEM O CONHECIMENTO DO DEMANDADO. RESPONSABILIDADE DESTE RESTRITA AO VALOR CREDITADO INDEVIDAMENTE. SUCUMBÊNCIA EM PARTE MÍNIMA. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA CONFIRMADA. APELO REJEITADO. -

Creditando o estabelecimento bancário valores indevidamente na conta de correntista seu e estornando-os tempos depois, é seu dever cientificar previamente o cliente, dando-lhe conhecimento da ocorrência, na busca de providências.
O que não lhe é dado é, simplesmente, erradicar da conta do cliente o respectivo valor, levando-o à negativação do saldo. Nessa hipótese, o correntista somente se torna obrigado à restituir os importes indevidamente contabilizados a seu crédito. -

Versando o pleito de cobrança sobre valor que compreende praticamente o décuplo da condenação obtida, não há que se pretender tenha decaído o postulante de parte mínima do pedido, para fins de sua exoneração dos encargos da sucumbência.” (in Apelação Cível nº 98.015100-7, de Videira. Relator: Des. Trindade dos Santos).

Do corpo deste acórdão:
“Incumbia à instituição financeira, dúvidas inexistem, informar seu cliente sobre o erro cometido, pleiteando a devolução do lançamento indevidamente efetuado, antes de realizar o estorno do respectivo importe, sem qualquer ciência ou autorização do correntista apelado.

Sobre lançamentos não autorizados a débito, realizados pelas instituições financeiras, ensina Vilson Rodrigues Alves:
"Não é dado ao estabelecimento bancário proceder a lançamento a débito na conta corrente do cliente, sem prévia autorização do titular. Os valores nela depositados são de titularidade do correntista, sendo imprescindível sua anuência a que se dê essa modalidade de lançamento. Se, de hipótese, o estabelecimento lhe paga rendimentos de determinada aplicação, posteriormente apurados indevidos, descabe a pretexto de sanar a falha proceder sem mais a esse lançamento. Ou o banco pede ao cliente e dele recebe a devolução, ou deduz sua pretensão em ação de direito material em Juízo. Do contrário, impertinente qualquer menção a estorno, estará havendo apropriação indevida do valor integrante da esfera jurídico-patrimonial do correntista” (Responsabilidade Civil dos Estabelecimentos Bancários, vol. I, 2ª ed., 1999, pág. 187).”.

E, ainda: “Civil - entidade bancária - programa de assistência social - verba destinada a tratamento médico-odontológico do empregado - desvio de finalidade - estorno da quantia depositada em conta corrente - ato unilateral - ilegalidade.
Ainda que admitida, pelo empregado, a utilização irregular da verba que lhe fora destinada, exclusivamente, para tratamento médico-odontológico, não pode a entidade bancária patronal, por iniciativa própria e sem a prévia concordância do beneficiário, debitar em sua conta corrente o valor do benefício. Irrelevante, no caso, a previsão no regulamento do programa assistencial.” (in APELAÇÃO CÍVEL 19980110006838APC DF - Acordão Número : 121805 - Relator : SÉRGIO BITTENCOURT - Publicação no DJU: 16/02/2000); “Servidor público. Vencimentos. Depósito em conta bancária. Estorno a pedido do depositante. Ilegalidade. Todo depósito em conta-corrente de servidor público do Distrito Federal, a título de remuneração, realiza-se à sua ordem.
Pode este, a qualquer tempo, antes de efetuado o crédito, ordenar que não se proceda a este ou àquele pagamento, por indevido ou errôneo, ou mesmo sem apresentar justificação.

Ainda que tenha havido engano na ordem de crédito em conta do correntista, não pode o banco depositário, sem a sua autorização, proceder ao estorno a pedido do depositante.” (in APELAÇÃO CÍVEL APC3789695 DF - Acordão Número : 88794 - Relator : GETULIO PINHEIRO - Publicação no DJU: 16/10/1996); “RESPONSABILIDADE CIVIL - ESTORNO DE IMPORTÂNCIA DA CONTA CORRENTE DA AUTORA - PRECEDENTE DA CORTE - 1 - Precedente da Corte reconhece que "procedido o depósito, estando o numerário a disposição do correntista em sua conta-corrente, não pode o banco, sob a alegação de solicitação do empregador, estornar o valor sem autorização do titular da conta". 2 - Recurso especial não conhecido.” (STJ - REsp 237139 - SP - 3ª T. - Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito - DJU 30.10.2000).
Ressalto que, em nenhum momento, o réu demonstrou que tenha comunicado ao autor da intenção de proceder aquele estorno ou que tenha obtido qualquer autorização para que assim o fizesse.

Diga-se, também, que, caso entendesse o banco réu de que o crédito lançado na conta corrente do autor era indevido, deveria ter adotado uma das seguintes medidas: solicitar ao correntista a devolução dos valores indevidamente creditados ou ajuizar a competente ação para tal finalidade.

Da análise dos autos, verifica-se que nenhum desses posicionamentos foi adotado pelo réu.

Ademais, a questão pertinente a aceitação e pagamento de eventual título (cheque) prescrito, não pode jamais gerar a responsabilidade do cliente, eis que aquela é da instituição bancária, porquanto há de se presumir que os seus prepostos estejam preparados ou, pelo menos, deveriam estar, para tais atribuições, conquanto movimentam títulos de crédito constantemente e em grande volume.
Agora, se o réu não teve diligência e cautela na sua conduta, deixando de observar as normas legais expressas na Lei nº 7.357, que regula a emissão e circulação de cheques, não pode pretender responsabilizar o correntista pela sua própria desídia.
Além do que, em nenhum momento, restou demonstrado que o correntista tenha agido de má-fé.
Isto, evidentemente, não significa dizer que, caso demonstrado o equívoco alegado pela instituição bancária, deverá esta sofrer o prejuízo, porquanto tal situação representaria um enriquecimento indevido daquele beneficiado pelo erro.
O que não pode é a instituição bancária, após já não mais possuir qualquer disponibilidade acerca do dinheiro liberado, querer agir de forma unilateral e arbitrária para consertar o erro que cometeu, eis que a lei lhe impõe procedimento próprio para a sua pretensão.
Na verdade o que se observa é que o réu procurou através de um erro corrigir outro erro, circunstância esta que não recebe amparo em nosso ordenamento.

Neste sentido: “Ação de indenização – banco que efetua transferência entre contas correntes sem autorização do cliente – impossibilidade da utilização do instituto da compensação – inexistência de amparo legal – danos patrimoniais não provados a contento – dano moral fixado em valor adequado – recursos desprovidos. (in Apelação cível nº 99.017272-4, de Laguna. Relator: Des. Orli Rodrigues); "Dano moral. Contrato bancário. Transferência de numerário da conta de um titular para outro sem a autorização do correntista. Cheques devolvidos sem provisão de fundos pelo estabelecimento bancário. Envio do nome correntista no ccf. Obrigação de indenizar o dano moral puro ante a ausência de prejuízos materiais, aliás não cobrados. Fixação do quantum debeatur. Critérios. Correção monetária. Incidência. Honorários advocatícios. 1. Comprovada a transferência de quantia da conta corrente do autor para a de outrem sem a devida autorização do correntista, a qual acarretou a devolução de 11 (onze) cheques por falta de provisão de fundos e a inclusão do nome do autor no ccf, procede a pretensão indenizatória por danos morais, pouco importando que entre o fato e o ajuizamento da ação tenham transcorrido quase quatro anos.
A defeituosa prestação de serviços gera a obrigação de indenizar independentemente de culpa consoante o previsto no código de defesa do consumidor, art. 14, aplicável inclusive aos bancos ( 3º, § 3º). 2.

Na fixação do valor dos danos morais deve-se considerar o aspecto dúplice da condenação: 1) punição ao infrator e 2) compensação aos ofendidos (Caio Mário da Silva Pereira), mas sempre haverá juízo de eqüidade a ser considerado em cada caso concreto. Razoável, ante as condições pessoais das partes (um pobre comerciante e um banco) a fixação da indenização no equivalente a 50 (cinqüenta) vezes do valor do procedimento ilícito adotado pelo réu. 3. O termo a quo para incidência da correção monetária sobre dívida por ato ilícito e a data do efetivo prejuízo da vítima (stj, súmula 43), que, no caso dos danos morais retroage à data do fato. 4. Não decai do pedido o autor que postula indenização e é bem sucedido. O valor atribuído ao dano é meramente estimativo e não confere certeza ao pedido.
A condenação do réu é pretensão mais abrangente que inclui a de menor abrangência (o seu valor). (in Apelação Cível 19980110368455APC DF - Acordão Número : 121238 - Relator : WALDIR LEÔNCIO JUNIOR - Publicação no DJU: 09/02/2000);

“DIREITOS COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CAUTELAR - MOVIMENTAÇÃO INDEVIDA DE CONTA-CORRENTE BANCÁRIA - EXECUÇÃO - PROCEDIMENTO INADEQUADO - PRECLUSÃO – NÃO CONHECIMENTO DA MATÉRIA - IMPROVIMENTO DA APELAÇÃO.

1. Mostra-se ilícita a movimentação bancária consistente na transferência de depósito em conta-corrente de determinada Agência para outra de Agência diversa, com o propósito de amortizar dívida na última contraída, se a instituição não está munida de autorização formal do correntista. 2. Na hipótese configurada, merece confirmação a sentença que, acolhendo pedido da parte, concede cautelar para tornar insubsistente o procedimento indevido. 3. Não se conhece de questão relativa a insurgência à decisão interlocutória, que desafia o recurso de agravo retido não formulado. 4. Apelo improvido.” (in APELAÇÃO CÍVEL APC3987696 DF - Acordão Número : 97189 - Relator : ESTEVAM MAIA - Publicação no DJU: 28/08/1997 Pág. : 19.425). Assim, se houve algum pagamento indevido, deve a instituição bancária buscar os meios legítimos para o restabelecimento da situação anterior. É de se ressaltar que a devolução dos cheques e a inscrição, ao contrário do que pretende fazer crer o réu, deveu-se em razão da conduta indevida da instituição bancária, porquanto caso não tivesse sido estornado indevidamente a importância de R$ 7.000,00 (sete mil reais) da conta do autor, nenhum título teria sido devolvido. Quanto a alegação do réu de que o autor tinha pleno conhecimento da inexistência de saldo em sua conta e de que, a partir de 01.12.2000, passou a emitir diversos cheques sem a necessária existência de fundos, tenho que não houve qualquer comprovação, eis que em relação a ela há de se invocar a norma do já citado art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor. Sendo assim, ao emitir os cheques, o autor acreditava que possuía lastro suficiente em sua conta para a cobertura daqueles.

Assim, as assertivas do autor encontram-se devidamente comprovadas através dos documentos anexados aos autos, não existindo qualquer dúvida a respeito. Além do que, em face do ato ilícito cometido pelo réu, o autor teve diversos de seus cheques devolvidos e lançado seu nome nos órgãos de proteção ao crédito.

Quanto a inscrição em órgãos de proteção ao crédito, nenhuma dúvida existe de que foram em decorrência do ato ilícito do réu, não tendo esta sequer negado tal fato. Associado a isto, têm-se que a documentação apresentada é suficiente clara para demonstrar a veracidade das alegações do autor.
Dito isto, tenho que as alegações do autor não foram afastadas pelo réu, devendo ser invocada a norma legal disposta no art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor, anteriormente mencionada, em razão da qual caberia a parte demandada conseguir, de forma comprovada, rechaçar aquelas assertivas, sob pena de não o fazendo sucumbir no processo.
Por tais razões, se o banco réu não agiu com as diligências necessárias no depósito do título apresentado e tal ato teve conseqüências prejudiciais ao autor, conforme noticiado acima, não pode querer fugir de suas responsabilidades, porquanto não é aceitável que a instituição bancária venha a se beneficiar da sua ausência de cautela na movimentação do correntista.
Desta forma, a conduta do réu foi totalmente inadequada, cumprindo então analisar se houveram os danos materiais e morais invocados no pedido inicial.

DANOS MATERIAIS: Em relação a tais, pretende o autor a devolução da quantia que restou estornada sem a sua autorização, devidamente corrigida. Como o réu não buscou os meios próprios para a restituição que pretendia, a meu sentir, é cabível a devolução pleiteada no pedido inicial, eis que os valores efetivamente foram retirados, arbitrariamente, do patrimônio do autor. De mais a mais, na sua contestação o réu, apesar de pedir a total improcedência dos pedidos formulados, nenhuma defesa específica apresentou em relação a tal espécie de dano. Ademais, como já visto, caso entenda o réu que efetuou ou liberou valores indevidos ao autor, deverá eleger a via adequada para tal finalidade.

DANOS MORAIS: A ilicitude do ato do réu está caracterizada, tendo aquela ocasionado a inscrição do nome do autor no SERASA.

Incontestável, então, que o dano efetivamente ocorreu, sendo necessário tecer algumas considerações sobre o dano moral em si, que é uma das situações expostas neste feito.

No caso, o dano advindo do abalo de crédito é moral, amparado no art. 5º, V e X, da Constituição Federal, não se exigindo, de modo algum, a comprovação de reflexos patrimoniais. Inobstante a celeuma até bem pouco tempo existente na doutrina e jurisprudência acerca da reparabilidade do dano puramente moral, assim entendido aquele que não acarreta reflexos patrimoniais de pronto reparáveis, dia a dia, nos Tribunais, foi se agigantando a tese da autonomia da indenização do dano moral, tornando-se inquestionável o dever de reparar-se aqueles danos causados à honra, aos sentimentos, ao crédito e à imagem do ser humano, considerado em si mesmo e perante seus semelhantes.

Assim, admitindo-se a existência de danos puramente morais e, se assumem eles relevância jurídica, não se pode negar a reparabilidade civil autônoma, ou seja, pelo que eles representam em si mesmos.

É de se reconhecer a delicadeza da questão e a dificuldade de converter-se em um valor monetário o prejuízo sofrido.

Porém, a inexistência de uma exata adequação entre a indenização e o dano moral , por si só, não é motivo para se deixar de arbitrar uma indenização por inexpressiva que seja, ainda que uma exata reparação seja praticamente impossível.

Todavia, uma compensação pela via direta do dinheiro, é um meio de propiciar-se ao ofendido uma sensação de contentamento; de satisfação que a lei lhe dá.

Com muita propriedade, acentua Amilcar de Castro que: “Com esta espécie de reparação não se pretende refazer o patrimônio, mas se tem simplesmente em vista dar à pessoa lesada uma satisfação que lhe é devida, por uma sensação dolorosa que sofreu e a prestação tem, nesse caso, função meramente satisfatória” (Revista Forense 93/528). Humberto Theodoro Júnior, comentando o tema, ensina: “Mais uma vez, a Carta Magna assegura o princípio da reparabilidade do dano moral, seja na defesa dos direitos de personalidade, seja na preservação dos direitos morais do autor da sua obra intelectual (art. 5º, V e X). Com isso, a indenizabilidade do dano moral, que ainda gerava alguma polêmica na jurisprudência, ganha foros de constitucionalidade. Elimina-se o materialismo exagerado de só se considerar objeto do Direito das Obrigações o dano patrimonial. Assegura-se uma sanção para melhor tutelar setores importantes do direito privado, onde a natureza patrimonial não se manifesta como os direitos da personalidade, os direitos do autor, etc.” (Revista dos Cursos de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, vol. 20/2. E arremata: “O importante dessa moderna posição jurisprudencial está em que a fixação do problema dentro do âmbito do dano moral afasta a exigibilidade da prova, pela vítima, da repercussão do ato ofensivo sobre o seu patrimônio. O condicionamento que a velha jurisprudência fazia, no sentido de ter de se demonstrar que o ultraje moral acarretara um prejuízo econômico, para só então deferir a indenização, frustrava a maioria das pretensões de responsabilidade civil em áreas como a dos protestos cambiários e outros atos igualmente lesivos à honra da vítima, mas de reflexos materiais problematicamente comprováveis. Agora as coisas se simplificam, pois a razão da reparação não está no patrimônio, mas na dignidade ofendida, ou na honra afrontada. É o dano moral, em toda a sua inteireza, que encontra uma sanção na lei”. (grifei). De todo oportuno, trazer à colação, a doutrina de Fabrício Zamprogna Matielo, que assim leciona: “Os serviços de proteção ao crédito cadastram pessoas que descumprem suas obrigações nesse particular, impossibilitando a concessão de novas oportunidades. Em assim sendo, não fica difícil imaginar o transtorno causado a alguém cujo nome foi injustamente colocado no rol dos inadimplentes, ou em relação a quem não se fez a devida retirado do nome, após a regularização da situação. Tal fato, além da inviabilização da obtenção de novos créditos, traz abalo moral, face a consulta positiva nos arquivos do serviço e a conseqüente desvalorização íntima ou objetiva da vítima”. Prosseguindo, ressalta o insigne jurista: “A indenização por danos morais, em casos dessa natureza, vem sendo admitida com força intensa nos Tribunais nacionais, visando disciplinar o cadastramento de informações e a sua regular utilização. Em conclusão, pode-se dizer que, havendo conduta censurável e aplicação de meios que diminuam moralmente alguém, interna ou externamente, provocando danos (desvalorização, desequilíbrio psicológico, discriminação, etc.), o atingido pode valer-se do pedido judicial de responsabilização civil por danos morais e materiais” (Dano moral, Dano Material e Reparação, págs. 133/134, Sagra - DC - Luzzatto Editores, 1995, Porto Alegre). Como se vê, não é necessário grande esforço para chegar à evidente conclusão de que o fato de ter o autor cheques devolvidos e a inscrição de seu nome em órgão de serviço de proteção ao crédito geraram abalo de crédito ressarcível como dano moral. Yussef Said Cahali, na lição de José Aguiar Dias, leciona: “Sem dúvida é possível existir, ao abalo de crédito, traduzido na diminuição ou supressão dos proveitos patrimoniais que trazem a boa reputação e a consideração que com ele estão em contado, o dano moral, traduzido na reação psíquica, no desgosto experimentado pelo profissional, mais freqüentemente o comerciante, a menos que se trate de pessoa absolutamente insensível aos rumores que resultam do abalo de crédito e às medidas que importam vexame, tomadas pelos interessados” (O dano moral no Direito Brasileiro, 1980, pág. 93). E, mais adiante, conclui o mestre: “Em realidade, no abalo de crédito, conquanto única a sua causa geradora, produzem-se lesões indiscriminadas ao patrimônio pessoal e material do ofendido, de modo a ensejar, se ilícita aquela causa, uma indenização compreensiva de todo o prejuízo. E considerando o prejuízo como um todo, não basta que se dê preferência à reparação do dano moral, estimada pelo arbítrio judicial, se de difícil comprovação os danos patrimoniais” (ob. cit. , pág. 94). Por derradeiro, e solucionando de vez a questão inerente a existência de dano, suscitada pelo réu, trago a baila os bons ensinamentos de Araken de Assis: “Dano Extrapatrimonial Por outro lado, quando afetados direitos relacionados à personalidade - honra, imagem, poderá surgir o dano extrapatrimonial ou moral. Entre nós, tal espécie de dano sempre foi indenizável. Basta atentar para o disposto no art. 1.547 do Código Civil, ao qual retornaremos posteriormente. Mas qualquer dúvida deixou de existir à luz do disposto no art. 5º, V e X, da Constituição, que, como é notório, explicitamente permitiu a cumulação do dano patrimonial e do dano moral. É o que dispõe, outrossim, a Súmula 37 do STJ, que teve o cuidado de não limitar a ilícitos absolutos tal cumulação, ao mencionar, singelamente, o ‘mesmo fato’.”(in Revista Jurídica - Editora Síntese - Vol. 236 - jun/97 - pág. 10 ) . Mais adiante, prossegue o eminente jurista: “Prova do Dano O dano moral atinge, fundamentalmente, bens incorpóreos, a exemplo da imagem, da honra, da privacidade, da auto-estima.

Compreende-se, nesta contingência, a imensa dificuldade em provar a lesão. Daí a desnecessidade de a vítima provar a efetiva existência da lesão. Tratando-se de indevida inscrição no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), em que poderá se configurar tanto o dano moral puro quanto o dano moral reflexo (abalo de crédito), a 4ª Turma do STJ estabeleceu o seguinte princípio:

‘Responsabilidade da vítima. Banco. SPC. Dano moral e material. Prova. O banco que promove a indevida inscrição de devedor no SPC e em outros bancos de dados responde pela reparação do dano moral que decorre dessa inscrição. A exigência de prova de dano moral (extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da inscrição irregular. Já a indenização pelo dano material depende de prova de sua existência, a ser produzida ainda no processo de conhecimento. Recurso conhecido e provido em parte’. Destarte, a prova do dano moral puro, para não deixar seus domínios e passar à província do dano moral reflexo, que é indireto, cingir-se-á à existência do próprio ilícito.” (in Revista Jurídica - Editora Síntese - Vol. 236 - jun/97 - pág. 11 ) . Assim, em situações como a do presente feito, é tranqüilo afirmar que é equivocado eventual questionamento quanto a ocorrência ou não do dano, eis que o ato indevido do estorno do depósito trouxe como conseqüência a devolução de cheques, associado a inclusão do nome da parte em órgão de proteção ao crédito, sendo tais suficientes a caracterização daquele, bem como é irrelevante, para tanto, a configuração ou não do dolo do agente. Ademais, está devidamente demonstrado nos autos que, em face do estorno do depósito, com a retirada indevida do numerário que já integrava seu patrimônio, o autor foi posto na situação vexatória e constrangedora de mau pagador, como bem demonstra a documentação contida nos autos. É inegável e facilmente sensível que os fatos narrados perturbaram subjetivamente o autor, porquanto sentiu aquele abalada a sua reputação. Acompanhando a doutrina e o entendimento acima expostos, obtém-se na jurisprudência:

“ RESPONSABILIDADE CIVIL - BANCO - DEPÓSITO DE CHEQUE EM CONTA CORRENTE, COMO SE FORA DINHEIRO - PREJUÍZO DO CORRENTISTA EM TRANSAÇÃO COM TERCEIRO - ATO DE PREPOSTO - CULPA RECONHECIDA COM BASE NAS PROVAS - REEXAME - IMPOSSIBILIDADE - ENUNCIADO 7 DA SÚMULA/STJ - RECURSO DESACOLHIDO - I - Tendo as instâncias ordinárias, com base no exame das provas pericial e testemunhal produzidas nos autos, afirmado a conduta culposa do banco em proceder ao depósito de cheque como se fosse dinheiro e o prejuízo do correntista, resta vedado o reexame do tema no Superior Tribunal de Justiça, nos termos da competência constitucionalmente a ele atribuída e a teor do Enunciado nº 7 da Súmula/STJ. II - A responsabilidade do patrão por ato de seu empregado encontra na doutrina suporte nas teorias que representam a evolução da ciência do direito em face do desenvolvimento da sociedade. III - Demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta do preposto e o evento danoso, além do prejuízo ao terceiro-credor, e tendo a culpa se fundado no exame das provas, caracteriza-se a obrigação de indenizar. IV - Não é competente o Superior Tribunal de Justiça para examinar ofensa a dispositivos constitucionais, à luz dos arts. 102 e 105 da Constituição.” (STJ - REsp 208841 - SP - 4ª T. - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira - DJU 21.08.2000);


“INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. CHEQUE. DEVOLUÇÃO POR FALTA DE FUNDOS. EQUÍVOCO DO SACADO. RESSARCIMENTO DEVIDO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO APELANTE. PREFACIAL ARREDADA. NÃO CUMPRIMENTO, PELO RECORRENTE, DO ART. 526 DO CPC. IRRELEVÂNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO, PELO APELADO, DO SOFRIMENTO DE DANOS REAIS. DESNECESSIDADE. PROVIMENTO JURISDICIONAL INCENSURÁVEL. INSURGÊNCIA RECURSAL DESPROVIDA. - Sabido é que, a exceção das contas incobráveis, as contas dos clientes do Banco Bamerindus do Brasil S/A foram repassadas ao Banco HSBC Bamerindus S/A, de forma que, no referente aos correntistas daquele, o novo Banco é, no aspecto fático, o seu sucessor legal. - A não juntada de cópia do agravo de instrumento nos autos do processo indenizatório no qual foi prolatado o despacho censurado, apenas obsta o juízo de retratação com referência àquele despacho. Entretanto, não lança, a ausência de atendimento ao art. 526 do CPC, qualquer reflexo sobre posterior recurso de apelação sustentado contra a sentença final. -

A mera devolução de cheque por ausência de provisão de fundos, gerando a inscrição do correntista em cadastro de inadimplentes, é situação por si mesma, quando não justificada, vexatória e que, por si só, implica na ocorrência de danos morais, para os quais, em hipóteses tais, desnecessária torna-se a comprovação da efetividade da causação de danos. Os danos morais, indenizáveis autonomamente, independem, para a sua caracterização, de qualquer repercussão patrimonial” (in Apelação Cível n. 98.009893-9, da Capital - Relator: Des. Trindade dos Santos).

“ DANO MORAL - PRINCÍPIO GERAL QUE ESTABELECE A REPARABILIDADE - O art. 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988 ao dispor que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegura o direito à indenização pelo dano moral decorrente da sua violação. O dano moral deixa marcas, que por atingir patrimônio incorpóreo (auto-estima, imagem), torna difícil, mas não impossível, a sua detecção. Ainda que bastante subjetivas, tais marcas podem se revelar e serem trazidas do íntimo da alma pelos instrumentos do direito, que deve intervir sempre que alguém se sentir prejudicado.

A irregular devolução de cheque, quando existente lastro bancário, e conseqüente inscrição do correntista em cadastro de negativação de crédito implica em exposição indevida e abusiva da pessoa, a reclamar pronta reparação pelos danos morais daí advindos.” (TJCE - AC 98.04966-0 - 2ª C. Cível - Rel. Des. Stênio Leite Linhares - J. 28.04.1999).
“Na hipótese, ainda que não demonstrado o prejuízo patrimonial, é perfeitamente cabível a condenação, porquanto “é possível existir, ao lado do abalo de crédito, traduzido na diminuição ou supressão dos proveitos patrimoniais que trazem a boa reputação e a consideração dos que com ele estão em contato, o dano moral, traduzido na reação psíquica, no desgosto experimentado pelo profissional, mais freqüentemente o comerciante, a menos que se trate de pessoa absolutamente insensível aos rumores que resultam do abalo de crédito e às medidas que importam vexame, tomadas pelos interessados” ( José Aguiar Dias)”. JC 66/318);

Diga-se, ainda, que o réu não conseguiu afastar a pretensão do autor, sendo que a documentação apresentada com a exordial, apontam para a procedência da demanda. Contudo, isto não implica na condenação do réu na importância correspondente a 300 (trezentos) salários mínimos, conforme mencionado na inicial, segundo adiante será visto.

Os transtornos e os aborrecimentos ocasionados pela conduta do réu são evidentes e estão mais que demonstrados nos autos, sendo também importante tecer considerações acerca da conduta de ambas as parte, a fim de possibilitar a fixação do quantum indenizatório, eis que há de ser determinado por arbitramento, nos termos do art. 1553, do Código Civil.

Em relação a matéria, prosseguem os ensinamentos de Araken de Assis: “Nas demais hipóteses, como dito, se utilizará o arbitramento, a teor do art. 1.553 do Cód. Civil. Ao aplicar semelhante regra, o órgão judiciário deverá levar em conta que a indenização pelo dano moral não visa a um ressarcimento, mas a uma compensação, consoante afirmou YUSSSEF SAID CAHALI.

No alvitre de CAIO MÁRIO PEREIRA, quando se cuida de reparar o dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: ‘caráter punitivo’ para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o ‘caráter ressarcitório’ para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido. ...

Quando for indispensável arbitrar o dano moral, no ilícito absoluto, há que se buscar um critério de razoabilidade, como exigiu a 4ª Turma do STJ em caso de indevida devolução de cheque por insuficiência de fundos. Mais uma vez é judiciosa a palavra de CAIO MÁRIO: ‘A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes do seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrado pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em forte enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva. Como se nota, a aplicação do art. 1553 do Cód. Civil exige do órgão judiciário, a um só tempo, prudência e severidade.

A prudência consistirá em punir moderadamente o ofensor, para que o ilícito não se torne, a este título, causa de ruína completa. Mas, em nenhuma hipótese, deverá se mostrar complacente com o ofensor contumaz, que amiúde reitera ilícitos análogos.

É o caso das empresas de banco que, com indiferença cruel, consignam informações negativas sobre seus clientes e devedores em cadastros que vedam ou tolhem o acesso ao crédito e, posteriormente, se desculpam com o pretexto de erro operacional. Nessas hipóteses, a indenização deverá compensar a vítima pelo vexame e punir, exemplarmente, o autor do ato ilícito, com o fito de impedir sua reiteração em outras situações.”

Dito isto, é oportuno ressaltar as circunstâncias que ensejaram a ocorrência do dano moral, porquanto possuem caráter relevante na fixação da indenização cabível.

Neste passo, além de analisar-se a conduta do réu e a sua capacidade, há também que se analisar a conduta do autor/ofendido, levando-se em conta aspectos como: sua vida pregressa, projeção social, a proteção diária de sua reputação, bem como se participou na potencialização do resultado, contribuindo de alguma maneira para a caracterização do dano.

Tenho que o autor não contribuiu para a ocorrência do dano, sendo este de culpa exclusiva da parte ré.

Já no tocante aos demais elementos subjetivos acima mencionados nada existe que possa desabonar o autor.

De outra banda, não está evidenciado que está objetivando através desta demanda um ganho indevido, em detrimento do réu.

Quanto ao réu, ressalto tratar-se de instituição bancária, que deveria primar pela qualidade na prestação de seus serviços, a fim de que fatos similares aos demonstrados nestes autos não mais ocorram.

No tocante ao valor a ser fixado pela ocorrência do dano moral, já exaustivamente acima esclarecido, há de se relembrar que o objetivo da reparação de tal dano visa proporcionar satisfação em medida justa, de tal sorte que, não eqüivalendo um enriquecimento sem causa para o ofendido, produza no causador do dano impacto suficiente, a ponto de desestimulá-lo ou dissuadí-lo a cometer igual e novo atentado. A estimação quantitativa há de ser aplicada de forma prudente para evitar desproporção entre o dano efetivamente ocorrido e o valor da indenização.

É da jurisprudência: “DANO MORAL – Banco. Devolução de cheque por insuficiência de fundos. Reconhecimento do equívoco prontamente corrigido. Dano moral pelo constrangimento do correntista, importando em indenização, proporcional ao vexame sofrido. Valor estimado equivalente a 50 vezes o valor dos cheques devolvidos, porque o equívoco foi corrigido rapidamente, sem implicar em maiores conseqüências (inscrição no SERASA e no SPC) (TRF 1ª R – AC 1998.01.00.025881-0 – MG – 4ª T – Rel. Juíza Eliana Calmon – DJU 27.08.9 (in RJ 253 – Nov/98 – pág. 155).

Frente a tais considerações, tendo em vista a capacidade do réu, a sua conduta irresponsável, a não contribuição do autor para a ocorrência do dano, associado a sua reputação, não olvidando-se dos transtornos a que se submeteu, fixo o valor da indenização em R$ 6.000,00 (seis mil reais), que deverá ser corrigida monetariamente, nos termos do Provimento nº 13/95, da E. Corregedoria-Geral da Justiça, e, acrescidos de juros legais à razão de 6% ao ano, a contar da data do fato ilícito (30.11.2000), de conformidade com a Súmula nº 54 do STJ.

Esclareço, ainda, que o pedido formulado deve ser julgado totalmente procedente, porquanto ainda que não tenha sido o réu condenado no montante indicado na exordial, o dano moral efetivamente ocorreu, sendo a sua fixação atribuída por arbitramento, nos moldes acima explicitados.

ANTE O EXPOSTO, com fundamento no art. 269, Inc. I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por SIDNEY DE SOUZA E SILVA, nesta AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO C/C DANOS MORAIS - nº 011.01.004075-8, que promoveu em face de BANCO BRADESCO S.A., ambos qualificados nos autos.

Em conseqüência, condeno o réu a restituir ao autor a importância de R$ 7.000,00 (sete mil reais), a título de danos materiais, bem como, condeno o réu ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Ambas as quantias deverão ser corrigidas monetariamente, nos termos do Provimento nº 13/95, da E. Corregedoria-Geral da Justiça, e acrescidas de juros legais à razão de 6% ao ano, a contar da data do fato ilícito (30.11.2000), de conformidade com a Súmula nº 54 do STJ.

Face ao princípio da sucumbência, condeno o réu ao pagamento integral das custas judiciais e demais despesas processuais devidas, bem como, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados estes, com base no art. 20, § 3º, do CPC, em 20% sobre o valor atualizado da condenação.

Anote-se a baixa nos registros e Sistema SAJ/PG.

P.R.I.
,
SC, 14 de outubro de 2002
Juiz de Direito

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Considerações sobre o trabalho de Religiosos

No presente artigo temos uma análise da regulaçao do trabalho de religiosos.Como exemplo temos os padres,freiras,pastores,Ministros de comunhão,etc...

“Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. [1]
Diante da categoria de “religiosos”, o legislador se posicionou com tratamento diferenciado, preconizando que os membros de institutos de vida consagrada, de congregação, de ordem religiosa e os ministros de confissão religiosa passam a ser regidos e compreendidos como contribuintes individuais à Previdência Social, conforme dispositivo 9º, V, “c”, do Decreto nº 3.048/99 (Previdência Social), e considerados autônomos de acordo com a Lei 6.696/79.
A jurisprudência e a doutrina atual vêm entendendo que labor de caráter religioso não se constitui em vínculo de emprego, uma vez que o ofício do religioso é prestar auxílio espiritual e assistir a comunidade nos seus anseios, além de divulgar a fé que acredita.
Compreende-se que ao ingressar em entidades religiosas o indivíduo abre mão completamente de bens terrenos e se dedica tão somente ao cotidiano religioso, que em muitas ocasiões se realiza às atividades com os atributos: “Pobreza, obediência e castidade”.
O ilustre Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Granda Martins Filho, assevera: “as pessoas que se dedicam às atividades de natureza espiritual a fazem com o sentido de missão, atendendo a um chamado divino e nunca por uma remuneração terrena”.
Destarte, entendemos de acordo com o entendimento majoritário atual que de início já se exclui o quesito “mediante salário” tão bem lecionado no Art. 3º da CLT. Então, até aqui, não há vínculo de emprego entre religiosos e entidades.
O legislador Brasileiro adotou, então, o sistema italiano ao editar a lei 9.608/98. Essa lei veio com o objetivo de elucidar o trabalho voluntário e o art. 2º dispôs quais as formas de atividade voluntária:
“A atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social.”
E o parágrafo único do mesmo artigo fixou:
“O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciário ou afim”.
Assim, a posição atual apregoa que os religiosos se adequam à categoria de trabalhadores voluntários.
Diante de tal premissa, é cediço que os tribunais vêm negando os vínculos suscitados e declarando não encontrarem nenhum indício ou possibilidade de relação de emprego entre os “religiosos” e suas respectivas entidades.
Nesse sentido a jurisprudência demonstra:
PASTOR EVANGÉLICO. RELAÇÃO DE EMPREGO.
Inexiste vínculo de emprego entre o ministro de culto protestante – pastor – e a igreja, pois o mesmo como órgão se confunde com a própria igreja.
(RO. 14322 – TRT 1º Região – 4º Turma – Relator Juiz Raymundo Soares de Matos – Publicado no DORJ 08/10/02)

RELAÇÃO DE EMPREGO –PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS RELIGIOSOS – INEXISTÊNCIA.
Não gera vínculo de emprego entre as partes a prestação de serviços na qualidade de pastor, sem qualquer interesse econômico. Nesta hipótese, a entrega de valores mensais não constitui salário, mas mera ajuda de custo para a subsistência do religioso e de sua família, de modo a possibilitar maior dedicação ao seu ofício de difusão e fortalecimento da fé que professa. Recurso Ordinário que se nega provimento.
(RO. 17973/98 – TRT 3º Região – 2º Turma – Relator Juiz Eduardo Augusto Lobato – Publicado no DJMG em 02/07/1999)

VÍNCULO DE EMPREGO. ATIVIDADE RELIGIOSA. O exercício de atividade religiosa diretamente vinculada aos fins da Igreja não dá ensejo ao reconhecimento de vínculo de emprego, nos termos do artigo 3º da CLT. Recurso do reclamante a que se nega provimento.
(RO 01139-2004-101-04-00-5 – TRT 4a Região – Relator Juiz João Alfredo B. A. De Miranda – Publicado no DORGS em 02/06/2006)

PASTOR. TRABALHO VOLUNTÁRIO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DEFINIDORES DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O alegado desvirtuamento da finalidade da igreja e o enriquecimento de seus "líderes" com recursos advindos dos fiéis, embora constitua argumento relevante do ponto de vista da crítica social, não afasta a possibilidade de haver, no âmbito da congregação, a prestação de trabalho voluntário, motivado pela fé, voltado à caridade e desvinculado de pretensões financeiras. Assim, estando satisfatoriamente provada a ausência dos requisitos definidores do vínculo empregatício, deve ser afastada a tese da existência de relação de emprego com a entidade religiosa.
(RO 7024/2005 – TRT 12a Região – Relatora Juíza Gisele P. Alexandrino – Publicado no DJSC em 20-06-2005)


De acordo com tais pronunciamentos assim vêm se posicionando nossos tribunais, desconhecendo em todas as situações vínculos de empregos entre os que professam a fé e suas congregações.
Passarei a tratar agora das exceções encontradas em nosso ordenamento jurídico e suas lições.
A profícua doutrinadora Alice Monteiro de Barros ensina que a entidade religiosa não pode ser totalmente imune ao fato de ser empregadora, pois se houver prestação de serviços por um indivíduo não pertencente à congregação, a vinculação do emprego não pode ser afastada, caso ocorra todas aqueles requisitos do art. 3º, CLT. [2]
Neste sentido também corrobora a eminente magistrada Vólia Bonfim Cassar:
“A igreja pode ser considerada por alguns como intocável, ou do “outro mundo”. Mas a realidade jurídica é algo deste mundo e regida pelas leis terrenas. A igreja é considerada pessoa jurídica de direito privado pelo Código Civil – art. 44, I, CC, logo, pode ser empregadora. Aliás, a CLT não distingue entre o empregador que explora atividade lucrativa daquele que tem finalidade beneficente ou sem finalidade econômica ou lucrativa – art. 2º, CLT.[3]

É neste sentido que encontramos decisões favoráveis a obreiros que prestam serviços não-beneficentes às entidades religiosas:
PASTOR – CONTRATAÇÃO TAMBÉM COMO MÚSICO – VÍNCULO DE EMPREGO – POSSIBILIDADE
A atividade de gravação de CD’s em estúdios da igreja não se insere no espectro das funções eclesiásticas, razão pela qual, uma vez caracterizados os requisitos do art. 3º da CLT, não há obstáculo ao reconhecimento de vínculo de emprego entre o pastor e sua igreja no trabalho como músico.
(ACO 08298 – 2004 – TRT 9º Região – Relatora Juíza Sueli Gil El-Rafihi – Publicado no DJPR em 14/05/2005)

Neste sentido é cediço entre os juízes que algumas igrejas possuem estatutos internos, regulando alguns eclesiásticos às atividades extra-religiosas e ao pagamento de certa quantia em pecúnia mensalmente por serviços prestados, além de um regimento que regula a ascensão funcional. Também é encontrado nesse estatuto a necessidade de exclusividade por parte do religioso e sua total aquiescência às ordens de bispos ou entidades hierarquicamente superiores, sob pena de punição. Uma das formas de punição é o desconto em suas remunerações. As igrejas permitem que os seus agregados recolham renda em gravações de CDs, edições de livros, eventos e shows, etc.
Destarte, podemos diagnosticar a configuração dos pressupostos típicos da relação empregatícia: prestação por pessoa física, subordinação, habitualidade, e a onerosidade.
Neste aspecto sobre onerosidade assevera Maurício Godinho:
“É claro que o pagamento que descaracteriza a graciosidade será aquele que, por sua natureza, sua essência, tenha caráter basicamente contraprestativo”.[4]
Outrossim, vem lecionando a jurista Vólia Bonfim Cassar:
“Entendemos que caso o pastor, o padre, ou o representante da igreja receba pagamento em dinheiro, moradia ou vantagens em troca dos serviços prestados, o trabalho será oneroso. Seu trabalho é de necessidade permanente para o tomador de serviços, logo, também é habitual. Além de ser pessoal, o pastor, padre ou representante da igreja presta serviços de forma subordinada. Sujeita-se aos mandamentos filosóficos, idealistas e religiosos de sua igreja, sendo até punido caso contrarie alguns mandamentos. Também está subordinado a realização de um número mínimo de reuniões, cultos, encontros semanais na paróquia. Se aliado aos demais requisitos, não correr o risco da atividade que exerce, será empregado”. [5]

Por último ela chama a atenção do princípio da Alteridade que leciona ser isento de qualquer risco o empregado em relação à empresa que trabalha.
Diante de tais premissas os tribunais vêm decidindo que existindo liame entre o prestador de serviços e o tomador, caracterizando assim todos os elementos típicos da relação, outra atitude não deve ser tomada senão a de prover a decisão de vinculação de emprego.
Assim, encontramos a seguinte decisão:
VÍNCULO EMPREGATÍCIO – CARACTERIZAÇÃO – PASTOR EVANGÉLICO.
Em princípio, a função de pastor evangélico é incompatível com a relação de emprego, pois visa a atividades de natureza espiritual e não profissional. Porem, quando desvirtuada passa a submeter-se à tipificação legal. Provado o trabalho do reclamante de forma pessoa, continua, subordinada e mediante retribuição pecuniária, tem-se por caracterizado o relacionamento empregatício nos moldes do art. 3º da CLT.
(RO – 27889/2002-002-11-00 – TRT 11ª Região – Relator Juiz Eduardo Barbosa Penna Ribeiro – Publicado no DJAM em 10/12/2003)

Caminhando nessa evolução em abril de 99, o Sindicato dos Ministros de Cultos Religiosos Evangélicos e Trabalhadores assemelhados de São Paulo (SIMEESP) conseguiu registro sindical, e conta atualmente com cerca de 3% de 130.000 pastores evangélicos do Estado de São Paulo. Através desse movimento, muitos hoje partem em busca de reivindicações trabalhistas. Dentre os pedidos mais vistos, estão: anotação da CTPS, reconhecimento de vínculo, regulação do piso salarial, prestação da gratificação natalina, férias e depósito do FGTS.
Recentemente um pastor evangélico de Salvador (BA) pleiteou a condição de empregado da Igreja Universal do Reino de Deus, perante a Justiça do Trabalho. O processo tramitou até chegar ao TST, sendo examinado pelo colendo ministro Ives Granda Martins Filho.
O ínclito Ministro discorreu acerca desse fato:

“Todas as atividades de natureza espiritual desenvolvidas pelos “religiosos”, tais como administração dos sacramentos (batismo, crisma, celebração de missa, atendimento de confissão, extrema-unção, ordenação sacerdotal ou celebração de matrimônio) ou pregação da Palavra Divina e divulgação da Fé (sermões, retiros, palestras, visitas pastorais, etc.), não podem ser consideradas serviços a serem retribuídos mediante uma contraprestação econômica, pois não há relação entre bens espirituais e materiais”.

E também ponderou:
“O reconhecimento do vínculo empregatício só é admissível quando há desvirtuamento da instituição, ou seja, quando a igreja estabelece o comércio de bens espirituais, mediante pagamento. Pode haver instituições que aparentam finalidades religiosas e, na verdade, dedicam-se a explorar o sentimento religioso do povo, com fins lucrativos. Apenas nessa situação é que se poderia enquadrar a igreja evangélica como empresa e o pastor como empregado”.

O Ministro encerrou suas sábias palavras lecionando-nos:
“Sob o ponto de vista jurídico a organização do trabalho divide-se em seis modalidades: assalariado, eventual, autônomo, temporário, avulso e voluntário. A última, o voluntário, é caracterizada pela prestação de serviços sem remuneração a entidade pública ou particular sem fins lucrativos, mediante termo de adesão, que não resulta em vínculo de emprego”.
Com essa decisão do conspícuo Ministro, podemos observar que deve se separar o trabalho voluntário prestado a entidades religiosas, do serviço de caráter oneroso e com todos os elementos do art. 3º, da CLT. Sendo com certeza concedido ao empregado típico os seus direitos e garantias assegurados pela Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho.
Outro aspecto que acena com bastante atenção constitui-se no labor de padres e freiras diante do magistério e do auxílio hospitalar. A pergunta contundente é, então, proferida: Existe vínculo de emprego entre o padre ou freira e o colégio que leciona, ou o hospital que toma seus serviços de enfermeiro (a)?
A célebre jurista Alice Monteiro de Barros preconiza: o simples status de eclesiástico não impede a possibilidade de se firmar um contrato de trabalho, como qualquer outro trabalhador subordinado laico.[6]
Neste âmbito podemos discorrer que a Ciência Trabalhista já demonstrou em outros casos que atividades não se confundem. Exemplo típico dessa demonstração é a súmula 369, III, TST:
“O empregado de categoria diferenciada eleito dirigente sindical só goza de estabilidade se exercer na empresa atividade pertinente à categoria profissional do sindicato para o qual foi eleito dirigente”.
Dessa forma, concluímos que as atividades não devem se confundir. Para que o obreiro possua estabilidade faz-se mister que este exerça o mesmo ofício pelo qual assiste aquele sindicato da categoria que ele foi eleito. Assim como a atividade de eclesiástico não obsta que esse mesmo seja contratado por uma empresa para trabalhar nos moldes do art. 3º, CLT. Configurando, assim, vínculo de emprego.
Por fim, demonstramos o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do trabalho prestado por religiosos no âmbito de suas congregações ou em condições laicas. Mostramos quais os direitos, garantias e decisões concedidas a respeito das relações de emprego dos que exercem a atividade religiosa.

Autor: Roberto Victor Pereira Ribeiro
[1] CLT & CONSTITUIÇÃO. São Paulo: Saraiva, p. 9-10
[2] BARROS. Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR. 2005, pag. 444
[3] CASSAR. Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro. Impetus. 2008. pag. 275
[4] DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4º Ed. São Paulo: LTR, 2004, pag. 344
[5] CASSAR. Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus. 2007, p. 279
[6] BARROS. Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2º Ed. São Paulo: LTR, 2006, pag. 444

domingo, 3 de maio de 2009

STF REVOGA LEI DE IMPRENSA

Numa acertada votação,na última quinta-feira o Supremo revogou a lei de imprensa!
Fonte: STF - Supremo Tribunal Federal

Por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que a Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67) é incompatível com a atual ordem constitucional (Constituição Federal de 1988). Os ministros Eros Grau, Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Celso de Mello, além do relator, ministro Carlos Ayres Britto, votaram pela total procedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130. Os ministros Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes se pronunciaram pela parcial procedência da ação e o ministro Marco Aurélio, pela improcedência.
Na sessão desta quinta-feira (30), a análise da ADPF foi retomada com o voto do ministro Menezes Direito. O julgamento do processo, ajuizado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) contra a norma, teve início no último dia 1º, quando o relator, ministro Carlos Ayres Britto, votou pela procedência integral da ação.
Naquela oportunidade, Ayres Britto entendeu que a Lei de Imprensa não pode permanecer no ordenamento jurídico brasileiro, por ser incompatível com a Constituição Federal de 1988. O ministro Eros Grau adiantou seu voto, acompanhando o relator.
Menezes Direito seguiu o entendimento do relator, pela total procedência do pedido.O ministro destacou que a imprensa é a única instituição “dotada de flexibilidade para publicar as mazelas do Executivo”, sendo reservada a outras instituições a tarefa de tomar atitudes a partir dessas descobertas. Segundo ele, a imprensa apresenta uma missão democrática, pois o cidadão depende dela para obter informações e relatos com as avaliações políticas em andamento e as práticas do governo. Por isso, essa instituição precisa ter autonomia em relação ao Estado.
“Não existe lugar para sacrificar a liberdade de expressão no plano das instituições que regem a vida das sociedades democráticas”, disse o ministro, revelando que há uma permanente tensão constitucional entre os direitos da personalidade e a liberdade de informação e de expressão.
Quando se tem um conflito possível entre a liberdade e sua restrição deve-se defender a liberdade."
O preço do silêncio para a saúde institucional dos povos é muito mais alto do que o preço da livre circulação das ideias”, completou, ao citar que a democracia para subsistir depende da informação e não apenas do voto.
Segundo Menezes Direito, “a sociedade democrática é valor insubstituível que exige, para a sua sobrevivência institucional, proteção igual a liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana e esse balanceamento é que se exige da Suprema Corte em cada momento de sua história”. Ele salientou que deve haver um cuidado para solucionar esse conflito sem afetar a liberdade de expressão ou a dignidade da pessoa humana.

Dignidade da pessoa humana
Ao votar no mesmo sentido do relator, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha afirmou que o ponto de partida e ponto de chegada da Lei de Imprensa é “garrotear” a liberdade de expressão. Ela acrescentou ainda que o direito tem “mecanismos para cortar e repudiar todos os abusos que eventualmente [ocorram] em nome da liberdade de imprensa”.
Cármen Lúcia também ponderou que o fundamento da Constituição Federal é o da democracia e que não há qualquer contraposição entre a liberdade de expressão e de imprensa com o valor da dignidade da pessoa humana. Muito pelo contrário, afirmou, o segundo princípio é reforçado diante de uma sociedade com imprensa livre.

Desarmonia com princípios

A Lei de Imprensa, editada em período de exceção institucional, é totalmente incompatível com os valores e princípios abrigados na Constituição Federal de 1988. Este o argumento do ministro Ricardo Lewandowski para acompanhar o voto do relator, ministro Carlos Ayres Britto, no sentido da revogação integral da Lei 5.250/67.
Para Lewandowski, o texto da lei além de não se harmonizar com os princípios democráticos e republicanos presentes na Carta Magna, é supérfluo, uma vez que a matéria se encontra regulamentada pela própria Constituição. Diversos dispositivos constitucionais garantem o direito à manifestação de pensamento – direito de eficácia plena e aplicabilidade imediata, frisou o ministro.
O ministro votou pela procedência integral da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, acompanhando os votos já proferidos pelo relator e pelos ministros Eros Grau, Carlos Alberto Menezes Direito e Cármen Lúcia Antunes Rocha.

Parcial Procedência do Pedido

O ministro Joaquim Barbosa votou pela parcial procedência do pedido, ressalvando os artigos 20, 21 e 22, da Lei de Imprensa. De acordo com ele, esses artigos que versam sobre figuras penais ao definir os tipos de calúnia, injúria e difamação no âmbito da comunicação pública e social são compatíveis com a Constituição Federal. “O tratamento em separado dessas figuras penais quando praticadas através da imprensa se justifica em razão da maior intensidade do dano causado à imagem da pessoa ofendida”, afirmou.
Para o ministro, esse tratamento especializado é um importante instrumento de proteção ao direito de intimidade e útil para coibir abusos não tolerados pelo sistema jurídico, não apenas em relação a agentes públicos. “Entendo que a liberdade de expressão deve ser a mais ampla possível no que diz respeito a agentes públicos, mas tenho muita reticência em admitir que o mesmo tratamento seja dado em relação às pessoas privadas, ao cidadão comum”, disse.
Durante o voto, Joaquim Barbosa defendeu que não basta ter uma imprensa livre, mas é preciso que seja diversa e plural, de modo a oferecer os mais variados canais de expressão de ideias e pensamentos. Ele criticou a atuação de grupos hegemônicos de comunicação que, em alguns estados, dominam quase inteiramente a paisagem áudio-visual e o mercado público de idéias e informações, com fins políticos. De acordo com ele, a diversidade da imprensa deve ser plena a ponto de impedir a concentração de mídia que, em seu entender, é algo extremamente nocivo para a democracia.
Em retomada posterior, o ministro reajustou seu voto ao da ministra Ellen Gracie, também pela manutenção dos artigos 1º, parágrafo 1º, artigo 14 e artigo 16, inciso I, que proíbem a propaganda de guerra, de processos de subversão da ordem política e social ou de preconceitos de raça ou classe. De acordo com ele, é possível interpretar a linguagem para que o texto seja compatível com a ordem constitucional vigente.
De acordo com o ministro, quanto à questão dos preconceitos, também mencionados nos mesmos dispositivos, “suprimir pura e simplesmente as expressões a eles correspondentes equivalerá, na prática, a admitir que, doravante a proteção constitucional, a liberdade de imprensa compreende também a possibilidade de livre veiculação desses preconceitos sem qualquer possibilidade de contraponto por parte dos grupos sociais eventualmente prejudicados”.


Resolução de conflitos pelo Judiciário

O ministro Cezar Peluso também seguiu o voto do relator pela não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição Federal de 1988. Para ele a Constituição Federal não prevê caráter absoluto a qualquer direito, sendo assim, “não poderia conceber a liberdade de imprensa com essa largueza absoluta”.
“A Constituição tem a preocupação não apenas de manter um equilíbrio entre os valores que adota segundo as suas concepções ideológicas entre os valores da liberdade de imprensa e da dignidade da pessoa humana”
, afirmou o ministro, ressaltando que a liberdade de imprensa é plena dentro dos limites reservados pela Constituição.
Peluso afirmou que “talvez não fosse prático manter vigentes alguns dispositivos de um sistema que se tornou mutilado e a sobrevivência de algumas normas sem organicidade realmente poderia levar, na prática, a algumas dificuldades”. De acordo com o ministro, até que o Congresso Nacional entenda a necessidade da edição de uma lei de imprensa – o que, para ele, é perfeitamente compatível com o sistema constitucional – cabe ao Judiciário a competência para decidir algumas questões relacionadas, por exemplo, ao direito de resposta.

Manutenção de artigos

Na sequência do julgamento da ação contra a Lei 5250/67, no Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Ellen Gracie acompanhou a divergência iniciada pelo ministro Joaquim Barbosa, e votou pela procedência parcial da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, mantendo em vigor alguns artigos da Lei de Imprensa, que segundo ela estão em harmonia com a Constituição.
No entendimento da ministra, o artigo 220 da Constituição Federal de 1988, quando diz que nenhum diploma legal pode se constituir em embaraço à plena liberdade de informação, quis dizer que a lei que tratar dessas garantias não poderá impor empecilhos ou dificultar o exercício da liberdade de informação.
A ministra ressaltou em seu voto que devem ser mantidos, na lei, artigos que, para ela, não agridem a Constituição Federal – no caso os artigos 1º, parágrafo 1º, 2º (caput), 14, 16 (inciso I), 20, 21 e 22.

Nova lei é atribuição do Congresso Nacional

Primeiro e único a divergir, o ministro Marco Aurélio votou pela total improcedência da ação ajuizada contra a Lei de Imprensa. “Deixemos à carga de nossos representantes, dos representantes do povo brasileiro, a edição de uma lei que substitua essa, sem ter-se enquanto isso o vácuo que só leva à babel, à bagunça, à insegurança jurídica, sem uma normativa explícita da matéria”, afirmou.
Em diversas ocasiões durante o seu o voto o ministro questionou qual preceito fundamental estaria sendo violado pela Lei de Imprensa. “A não ser que eu esteja a viver em outro Brasil, não posso dizer que a nossa imprensa hoje é uma imprensa cerceada. Temos uma imprensa livre”, disse.
Segundo Marco Aurélio, a Lei de Imprensa foi “purificada pelo crivo eqüidistante do próprio Judiciário”, que não aplica os dispositivos que se contrapõem à Constituição Federal. Ele também afastou o argumento de que a edição da norma durante o período militar a tornaria a lei, a priori, antidemocrática. “Não posso, de forma alguma, aqui proceder a partir de um ranço, de um pressuposto de que essa lei foi editada em regime que aponto não como de chumbo, mas como regime de exceção, considerado o essencialmente democrático.”
O ministro citou ainda trechos de editorial publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 30 de março de 2008. Um dos trechos lidos diz o seguinte: “Sem a Lei de Imprensa, só grandes empresas teriam boas condições de proteger-se da má aplicação da lei comum, levando processos até as mais altas instâncias do Judiciário. Ficariam mais expostos ao jogo bruto do poder, e a decisões abusivas de magistrados, os veículos menores e as iniciativas individuais”.
Com a revogação da Lei de Imprensa, dispositivos dos Códigos Penal e Civil passarão a ser aplicados pelos magistrados para julgar processos contra empresas de comunicação e jornalistas.
Decano do STF vota pela revogação total da Lei de Imprensa
O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, manifestou seu posicionamento pela revogação total da Lei de Imprensa. “Nada mais nocivo e perigoso do que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão e pensamento”, disse o ministro.
Informar e buscar informação, opinar e criticar são direitos que se encontram incorporados ao sistema constitucional em vigor no Brasil, salientou Celso de Mello. Nesse sentido, prosseguiu o ministro, as críticas dos meios de comunicação social dirigidas às autoridades - citou como exemplo -, por mais dura que sejam, não podem sofrer limitações arbitrárias. Essas críticas, quando emitidas com base no interesse público, não se traduzem em abuso de liberdade de expressão, e dessa forma não devem ser suscetíveis de punição. Essa liberdade é, na verdade, um dos pilares da democracia brasileira, asseverou o decano.
Mas a liberdade de expressão não é absoluta – como aliás nenhum direito, disse o ministro, explicando que o próprio direito à vida tem limites, tendo em vista a possibilidade de pena de morte (artigo 5º, XLVII) nos casos de guerra.


Indenização

Se o direito de informar tem fundamento constitucional, salientou o ministro, o seu exercício abusivo se caracteriza ilícito e como tal pode gerar, inclusive, o dever de indenizar. Celso de Mello explicou que a própria Carta Magna reconhece a quem se sentir lesado o direito à indenização por danos morais e materiais.

Limitações

A mesma Constituição que garante a liberdade de expressão, frisou Celso de Mello, garante também outros direitos fundamentais, como os direitos à inviolabilidade, à privacidade, à honra e à dignidade humana. Para Celso de Mello, esses direitos são limitações constitucionais à liberdade de imprensa. E sempre que essas garantias, de mesma estatura, estiverem em conflito, o Poder Judiciário deverá definir qual dos direitos deverá prevalecer, em cada caso, com base no princípio da proporcionalidade.


Direito de Resposta

O ministro lembrou que o direito de resposta existe na legislação brasileira desde 1923, com a Lei Adolpho Gordo. Hoje, disse Celso de Mello, esse direito ganhou status constitucional (artigo 5º, V), e se qualifica como regra de suficiente densidade normativa, podendo ser aplicada imediatamente, sem necessidade de regulamentação legal.
Por isso, a eventual ausência de regulação legal pela revogação da Lei de Imprensa pelo STF, na tarde desta quinta (30), não será obstáculo para o exercício dessa prerrogativa por quem se sentir ofendido, seja para exigir o direito de resposta ou de retificação.
O ministro Celso de Mello votou pela procedência integral da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, julgando que a Lei de Imprensa (Lei 5250/67) é completamente incompatível com a Constituição de 1988.
Ministro Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes julgou a ação parcialmente procedente, mantendo as regras que disciplinam o direito de resposta presentes na Lei de Imprensa. De acordo com o presidente do STF, “o direito de resposta é assegurado no plano constitucional, mas necessita no plano infraconstitucional de normas de organização e procedimento para tornar possível o seu efetivo exercício”, afirmou.
Durante o voto, a questão do direito de resposta gerou divergentes opiniões dos ministros. Gilmar Mendes disse ver com grande dificuldade a supressão das regras da Lei de Imprensa. “Nós estamos desequilibrando a relação, agravando a situação do cidadão, desprotegendo-o ainda mais; nós também vamos aumentar a perplexidade dos órgãos de mídia, porque eles terão insegurança também diante das criações que certamente virão por parte de todos os juízes competentes”, defendeu.
O ministro previu fenômenos que podem surgir a partir da jurisprudência no sentido da revogação da lei, especialmente o direito de resposta: um de completa incongruência da aplicação do direito de resposta, com construções as mais variadas e eventualmente até exóticas, ou um caso estranho de ultratividade dessa lei que não foi recebida. “A falta de parâmetros vai continuar aplicando o direito de resposta (previsto na lei revogada)”, afirmou.
Fonte: STF - Supremo Tribunal Federal