A Relativização da Coisa Julgada vem ganhando espaço no mundo jurídico.Há na doutrina quem entenda que a decisão judicial não pode cristalizar quando injusta e inconstitucional.
Os questionamentos que vem sendo feito é sobre a possibilidade de "relativização" da coisa julgada material sem o uso da ação rescisória.
Por ser um assunto bastante polêmico traremos a opinião de conceituados doutrinadores.
Com o advento da Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, responsável por várias alterações no Código de Processo Civil Brasileiro, entre elas a previsão contida no § 1º do art. 475-L,esse dispositivo traz o preceito que ,será inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo inconstitucionais, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas como incompatíveis com a Constituição Federal.
Um exemplo que a doutrina traz para fundamentar a tese da "Relativização "da coisa julgada material é o da ação de investigação de paternidade, cuja sentença, transitada em julgado, declarou que o autor não é filho do réu (ou o inverso), vindo depois um exame de DNA a demonstrar o contrário. Diante disso, e para tornar possível a rediscussão do que foi afirmado pela sentença transitada em julgado, argumenta-se que a indiscutibilidade da coisa julgada não pode prevalecer sobre a realidade, e que assim deve ser possível rever a conclusão formada.
O primeiro a defender essa tese no Brasil foi o ministro do STJ,José Augusto Delgado.Ele defendeu,a partir de suas experiências na análise de casos concretos,a revisão da coisa julgada toda vez que afronte os princípios da moralidade,legalidade,razoabilidade e proporcionabilidade,ou se desafine com a realidade dos fatos.
Pontes de Miranda já sustentava, há muito tempo, a existência de sentenças nulas e inexistentes – que dispensariam rescisão, por meio de ação rescisória própria -, reconhecendo que "a sentença nula não precisa ser rescindida. Nula é; e a ação constitutiva negativa pode ser exercida ainda incidenter, cabendo ao juiz a própria desconstituição de ofício"
que importa, nesse momento, é indagar se é possível e conveniente, diante de certas circunstâncias, dispensar a ação rescisória para abrir oportunidade para a revisão de sentenças transitadas em julgado. Tal possibilidade implicaria na aceitação de que a coisa julgada deve ser "relativizada" (6).
Em favor da "relativização" da coisa julgada, argumenta-se a partir de três princípios: o da proporcionalidade, o da legalidade e o da instrumentalidade.
No exame desse último, sublinha-se que o processo, quando visto em sua dimensão instrumental, somente tem sentido quando o julgamento estiver pautado pelos ideais de Justiça e adequado à realidade.
Em relação ao princípio da legalidade, afirma-se que, como o poder do Estado deve ser exercido nos limites da lei, não é possível pretender conferir a proteção da coisa julgada a uma sentença totalmente alheia ao direito positivo.
Por fim, no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade, sustenta-se que a coisa julgada, por ser apenas um dos valores protegidos constitucionalmente, não pode prevalecer sobre outros valores que têm o mesmo grau hierárquico.
Admitindo-se que a coisa julgada pode se chocar com outros princípios igualmente dignos de proteção, conclui-se que a coisa julgada pode ceder diante de outro valor merecedor de agasalho.
A coisa julgada material não é absoluta. O Código de Processo Civil, em seu art. 485, prevê da coisa julgada material ou ampliação das hipóteses de relativização ou de flexibilização.
Desse modo, o termo relativização, como bem salienta Barbosa Moreira (2007, p. 236), é inadequado, pois não há que se relativizar um instituto que não é absoluto.
Nery Jr. (2004, p. 43) também não concorda com a terminologia empregada pela corrente de processualistas que vem defendendo essa tese, argumentando que utilizam-se do eufemismo da relativização quando na verdade pretendem desconsiderar o instituto da coisa julgada material.
Mais adequado, portanto, seria falar em desconsideração da coisa julgada material ou ampliação das hipóteses de relativização ou de flexibilização.
Tereza Arruda Alvim Wambier (2003) afirma que a razão de ser da proteção constitucional da coisa julgada é a segurança jurídica, mas entende que em determinadas situações esse princípio deveria ser relativizado, em nome de outros, mais relevantes para aquele momento, como a efetividade e a justiça da decisão.
A autora fala em desmistificação da coisa julgada material e defende ser possível a desconsideração de uma decisão transitada em julgado quando fundamentada em lei ou ato normativo que posteriormente venham a ser declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.
Para Cândido Rangel Dinamarco (2001) também é possível se falar em desconsideração da coisa julgada material, com o objetivo de proteção de outros princípios tais quais o da legalidade, da moralidade e da justiça.
Nelson Nery Junior (2004) não aceita a teoria da relativização da coisa julgada material, por entender ser incompatível com um Estado Democrático de Direito e explica que tal tese serve como uma luva para ser aplicada por regimes totalitários, como ocorreu na Alemanha, durante a ditadura de Adolf Hitler.
Alerta que são falhas as alegações apresentadas pela teoria favorável à relativização, quais sejam: a) a sentença deve ser justa, pois se injusta não produz coisa julgada; b) a sentença deve ser proferida segundo o resultado da prova, desse modo, caso os avanços científicos e tecnológicos possibilitem a produção de nova prova, há que se desconsiderar a coisa julgada para que nova decisão de mérito seja prolatada; c) a coisa julgada é matéria objeto de lei ordinária (CPC) e, portanto, pode sofrer alterações baseadas em comandos constitucionais e de outras leis ordinárias.
Assevera o doutrinador que os referidos casos são "exceções que não justificam a criação de regra para quebrar-se o estado democrático de direito, fundamento constitucional da própria república brasileira", complementando que causa mais impacto político a insegurança geral advinda da relativização da coisa julgada, do que a obrigação de conviver com decisões injustas ou inconstitucionais (idem).
O problema é que admitir-se a relativização com base na existência de injustiça-que ocorreria com a violação de princípios e direitos fundamentais do homem,tal como acima exposto-significa franquear-se ao judiciário uma cláusula geral de revisão da coisa julgada,que pode dar margem a interpretaçãoes das mais diversas,em prejuízo da segurança jurídica(Freddie Didier).
A coisa julgada é instituto construído ao longo dos séculos e reflete a necessidade humana de segurança.Ruim com ela,pior sem ela.Relativizar a Coisa Julgada por critério atípico é exterminá-la.
Desse modo, entende-se que qualquer corrente que pretenda questionar a autoridade da coisa julgada material, devia levar em consideração que o ideal é que os valores da segurança e da justiça sejam conciliados em uma decisão judicial e em todos os institutos a ela relacionados.
Nesse cenário, a coisa julgada material não poder ser interpretada como um obstáculo à realização da justiça, mas como um mecanismo estabelecido pelo sistema para conferir segurança às relações jurídicas e sociais, na falta de um outro modo de viver em sociedade (utópico, ideal) que permitisse aos homens resolver seus conflitos de forma pacífica e razoável, sem a intervenção estatal